Julgar a "clareza" envolve conhecer o conteúdo, e saber se este é dado à transparência.
"Clareza" envolve o pressuposto da adequação à objetos prontos. Não: a verdade com qual o teórico lida pode ainda não estar pronta, diferente da verdade do religioso. Seu texto anda necessariamente na meia-lua, na meia-verdade.
O claro do texto é eufemismo para o que o mercado intelectual realmente quer "sem querer": a facilitação enquanto mecanismo de reprodução. Se tratamos com preguiçosos, ou com o adversário teórico, nem sempre facilitar é livrar-se do problema essência/aparência. Para algums, facilitar é não ir ao porquê ou ao fundo da coisa; para outros, facilitar é mostrar o por que até o solo onde perguntas e respostas entortam-se todos juntos.
Julgar a "clareza" pressupõe a verdade do conteúdo, e principalmente à arrogância do acesso imediato, a arrogância de tomar a própria inteligência como padrão universal falsamente justificado por uma falsa proporção com a erudição cumulativa. O sofista é claro, sim, mas até apercerber-se de sua não-verdade; de aí em diante é ele, pois, o que tinha sido mais obscuro.
É-se claro de forma adequada ao falar de conhecimentos cumulados e termos consagrados;na operação de des- e reconstrução do patrimônio que já mofa, porém, nem sempre.O patrimônio cultural mofa pois achou-se muito claro e comunicável. Não, o passado está cada vez mais perdido, e o
presente um instante solto no ar. Gaseificamos na transparência do gás (...) (...) (...).
Negligencia-se as dimensões da clareza, o que sabe confude-se cada vez mais com o que não sabe, comforme o demoníaco propósito deste último. Cristo foi muito claro, enquanto ser verdadeiro. por outro lado a propagação e potencialidades infinitas de seus sinais são misteriosos. Ora: igualmente, se ele fosse mal, o seria tanto pelo claro quanto pelo escuro.
Ser claro, quando respeita-se a sombra do Desconhecido ao escurecer, é breve engano. Ser claro porém, deve ser reservado à raros momentos de luz: um entre-luzes.
Muitos, como o sedutor, pecariam muito em ser "claros"; perderiam a amada. Talvez da mesma forma teria Sócrates perdido Alcebíades, nunca tendo-o envolvido no afeto de seus laços retóricos. É preciso rir dos que tratam a clareza sem seu contrário dialético, e dos que negligenciam a falibilidade da obrigação textual filosófica. Caso tudo dependesse da vontade, a vontade esclareceria-se adequadamente por si mesma. Não, há algum elemento de relação de poder que refreia a vontade, o ato livre; e no receio do ato mágico
perde-se a unidade do encantamento. Sim, agora tens razão! Melhor seria qualquer máquina no lugar do encantamento frustrado!
O problema da "clareza" assume importância quando esta vira um valor sem qualquer relatividade. Adorno, certa vez, não foi-me claro, e não parece sê-lo a muitos. Por isso não sou talvez seu grande conhecedor, e teria um motivo aparente para desprezá-lo quanto ao "papel social". Contravalorar Adorno pela sua forma de mediação, por outro lado, é pretenção questionável. Mas, neste exemplo, - caso eu tenha chegado ao conceito de Adorno, e então verificado que ele traiu, na forma de se exprimir, o próprio conceito - isto é somente um pouco mais fundado.
Mas, e se ele foi claro ao mostrar enquanto tal algo que não está claro ? Não vale a pena exprimir um encantamento frustrado, mas ao invés disto, fazer falir no texto mesmo a obscuridade das coisas que prefrem se ocultar após o momento mesmo em que escreveste. Caso contrário, tua clareza mente a ti mesmo, e consiste apenas num fazer esquecer da complexidade das coisas.
(...)
A época presente deveria mais é excitar os pluralismos da compreensão, sua verdadeira democracia, principalmente através das formas vivas e múltiplas da compreensão: justamente esse universo " obscuro", que compreende a música, os poemas, a simbólica, os textos sagrados, os sonhos. Poderia-se chamá-lo, parodiando Schiller, A Educação Hermenêutica do cidadão cultural.
A consciência das virtualidades da própria noção de clareza é o sinalizador de seus perigos ou de sua legitimidade. Nem sempre convém dizer a verdade, quando esta perde-se no dito; e enquanto se não a diz, por que se não a consegue efetivamente dizer , pode convir guardá-la com carinho.
Ora, o símbolo é ainda o melhor carinho do significado. E não há acesso público para os que não amam o procurado.
Fora a gramática,o idioma, a compreensibilidade é uma questão de amantes; e a clareza apenas um mais ou um menos para a afinidade.
Claros,alíás, foram os imperialistas: sua tarefa é provar o ápice da crença na comunicação: a clareza na não-afinidade. Mera etiqueta. Caso não funcionasse, já há muito estaria-lhes disposta a clareza unívoca da violência.