Sinto uma traição profunda da escola e da universidade.
Um roubo daquilo que mesmo os estóicos acreditam ser alvo impossível do furto: o tempo próprio dedicado amorosamente à coisa, como Hypatia em Alexandria, sem Red Bull, nem ar-condicionado. Estar com os próximos, e lhe fazer presente o próprio espírito, bastava; publicar era-lhe, pelo visto, secundário...
O ponto lírico é aqui o mais evidente, o mais importante.
Ambas só sobrevivem supondo que somos burros de mais, e - ao mesmo tempo ! - funcionais demais. A mão que dá, tira.Tira o tempo para estudar, dá o conhecimento que tirou. Impede-te de ler Platão; ensina-te, pois, Platão!
Quanto à universidade estive sempre ou muito adiantado ou muito atrasado, mas nunca no único ponto mesquinho desejado. Ou leste muito demais, ou leste muito de menos.
É preferível, dado o estado-de-coisas, compartilhar a carcassa da sabedoria com os últimos condores do Chile; o saber com os livros ainda sem editora; o artesanato com o artesão de sapatos que trocou a contabilidade pela flauta, a vírgula dos juros na longa carta proposta ao Shopping de Balli pela extração do quinto harmônico sobre Si: livre ainda da Lan-House de que tanto depende, pondo a perder sua caligrafia milenar, e onde um outro, Marquinho, driblando com concentração os camaradas a jogar o novo New York Gangster, está escrevendo sobre Hypatia até as 1 da manhã. Leu as nove Enéadas de Plotino, mergulhou no Um, e agora vê-se pronto a interpretar o esquartejamento da alexandrina por parte dos cristaos ( romanos), e talvez, porque isto dera-se exatamente na Quaresma , na Era de Peixes, ou se o número da nona enéada estivesse relacionado com a gravidez que sua castidade sempre preferiu evitar. Mas que não ultrapasse 3 páginas...
Trocar um impossível pelo outro é questão de gosto. Ao condor, pois! Livre deste diabo pseudo-hegeliano da meia mediação. Abismo qualitativo entre meio e fim.
Heráclito, horrorizado dos homens, morreu e transformou-se num condor. Dorme entre cinco tochas.
(...)
Heráclito, horrorizado dos homens, morreu e transformou-se num condor. Dorme entre cinco tochas.
(...)
A despeito de serem imaculadas ou não, as regras alexandrinas eram fáceis: escreva e publique. Leia e pense. Reuna e conte. Cante, dance, aprenda vários jogos, Hipatia e esquecendo ao menos por um momento a higiene excessiva dos pés.Faça o teu a ti próprio; venda-o tu ao próximo tu mesmo. Lembre ao próximo um verso de Antígona ao comprar no mercado, e dele receba um de Jó em troca.Troque o um por um, o dois por dois. Enfim, cultuar a balança do princípio do bastante e do suficiente. Antes mesmo de falar-se em esquerda...
Mas alguma pressão, pressão demográfica e capitalisticamente democrata, entortou todos os aços psíquicos, todos os eixos do querer-saber simples e coisal: aproveite o tempo ( menos tempo); escreva mais (escreva menos); reuna e conte aos teus alunos ( teus alunos não querem ouvir, nem tu tens o que contar).
Mais provas e provações; menos diálogo, erro da correção. Mais vagas; títulos frouxos. Requerem verificação post doc. Caso nao confiarem, pedirão experiência de ensino ao logo dos últimos anos - razão pela qual estarão seguros de que ensinas o que aprendestes, mas nunca o que pensastes. Proibida, portanto, a chefia do opus postumum.
Títulos dos profissionais? Engano: título da universidade, pontos pra ela. Os números são cobiçados pela instituição. Tu és o rato na rodinha-gigante. Não há compartilhamento de honras: o teu fica pra ti; o dela pra ela. Mas o teu é mordido pela metade.
Mesmo ao ganhar o prêmio Wittgenstein por ter escrito contra todo jogo-de-linguagem ao menos sem tantos defeitos... Seguiste bem meu conselho: convide-o pra jantar... abuse da semelhança-de-família. A instituição tem pernas de carne; num descuido cede ao canto de Orfeu, ao perfume de Psyche.
Mesmo ao ganhar o prêmio Wittgenstein por ter escrito contra todo jogo-de-linguagem ao menos sem tantos defeitos... Seguiste bem meu conselho: convide-o pra jantar... abuse da semelhança-de-família. A instituição tem pernas de carne; num descuido cede ao canto de Orfeu, ao perfume de Psyche.
O professor é um padre que ora e roga: "crê no que digo", mesmo falando a um sujeito pós-cartesiano... Usa-se bem do superprotegido simulacro da Vorlesung. Não, Hegel, nein: aqui não porta-se mais o saber ( Wissen) por autoridade; pois o pensar ( Denken) nao se responsabiliza ante (gegenüber) a informação. Todo aluno ( StudentIn) pode ser um insólito portador ( Träger) do pensar:uma brusca faísca do absoluto. Pura potentia, porém. Dois são ( sind) teus filhos bastardos, Georg: o parido pela mulher ( Weib) que tomastes emprestado, e a desilusão ( Enttäuschung) que tu mesmo nos paristes da História ( Geschichte) que contaste.
Todo absoluto perdeu seu tom maiúsculo; difícil é saber, e impossível fazer sentido,pois,
unindo ora quantitativamente verdades ou relatividades por justaposição
ou ora qualitativamente extraviando a seriedade e responsabilidade dum tema num papinho de seminário,
como o floco de aveia num mingau , empapado pelo movimento circular e temperatura fria demais.
Num ato aparentemente absurdo, Pascal, ao tirar o sal e o tempero de sua comida, ao tê-la até provavelmente deixado esfriar,
fora mais congruente com o próprio sentido para o qual estava sua vida pelo saber... Num absurdo peculiar, acontecimento ínfimo e local, insólito e fiél, restaria-nos algo mais absoluto que o do infinito da performação, da memória prática e inteligência regional, da identidade micro-familiar, da amizade em-vista-de, disto e daquilo.
Por isso ele distraiu-nos agora do tema. A visão de "uma vida pelo saber" é de fato uma imagem descentralizadora, ameaça de queimaduras solares e de naufrágios lunares. Uma visão perdida nos desertos! A miragem que distraiu Hypatia de qualquer traição, e que a fez cumprir com as expectativas que ela provocou nos outros. Claro: ante tal visão fulge o gume translúcido e ameaçador da hipocrisia. Marquinho sobra e falta para as 3 páginas. Culpa-se por uma e por outra. Difícil largar um posto; difícil conquistar um novo e próprio.
Mesmo caso fosse tecido ao infinito, o texto do traído, extraído pelo cotovelo, perde-se nos gestos circulares das próprias mãos e não encontrará jamais seu centro. Por motivo de parcimônia, sua crítica de fato não constrói ( em vão) nenhum objeto: a ele situa-se a escola e a universidade ou muito aquém ou muito além, isto é, nunca em seu ponto mesquinho, naquele onde alguém busca descentralizar a traição.
Ameaçador o ventre nulo criador; libertinagem espiritual o especular.
Mesmo caso fosse tecido ao infinito, o texto do traído, extraído pelo cotovelo, perde-se nos gestos circulares das próprias mãos e não encontrará jamais seu centro. Por motivo de parcimônia, sua crítica de fato não constrói ( em vão) nenhum objeto: a ele situa-se a escola e a universidade ou muito aquém ou muito além, isto é, nunca em seu ponto mesquinho, naquele onde alguém busca descentralizar a traição.
Ameaçador o ventre nulo criador; libertinagem espiritual o especular.
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