Isto conduz-me ao segundo ponto. Houvesse tal “homem da verdade”, acha o autor que este
seria ensinado por um discurso cuja essência está em trazer lugares-comuns milenares à promessa
de um convite, guia, ou estímulo à vida intelectual? Tais lugares comuns, que frequentemente não
deixam de ser ricas máximas, são as considerações sobre silêncio, amizades, mulheres,
prazeres, simplicidade. Elas sempre estiveram por toda parte: é próprio dos gênios não
precisarem de muita explicação quanto isto; seus problemas são outros. E ainda: não há homem
de grandes feitos que tenha agradado ao mesmo tempo à Deus e a um moralista
idealista ( “perfeccionista”, mais exatamente ) ; pois não há grande homem que não tenha sido
radical quanto a uma coisa fundamental sem deixar isto afetar outra que julgasse mais acidental,
ou que ao menos lhe estivesse fora de alcance.
Neste aspecto o livro parece por um lado ingênuo ao não tratar a integridade e edificação de
uma vida intelectual, principalmente uma entendida em "stilo antico", como um grande problema (equiparado mesmo aos problemas de saber,
agir, e conhecer em si mesmos, embora condição da solução destes) limitando-
se a mencionar seu aspecto - masoquista, eu diria - de esforço/prêmio. O problema omitido
consiste em relacionar toda a dificuldade formal da verdade, relacionada à vontade infinita do
espírito, à limitação do corpo humano e, principalmente, à constituição disto tudo numa pessoa,
cujo contexto é um mundo que se realiza como ação, naturalmente hostil à intelectualidade, e,
mais bravo que ela, conservador pétreo de seu ser cego e actual. Não se trata do desconhecimento de uma receita perfeita e de um fim perfeito, mas do liame entre ambos.
Não faz sentido escrever um texto deste para o próximo único santo e gênio do século; a partir disto, pensou bem o autor a que realmente isto se destina, e se o faz mais que num sentido recreativo ou pedagogicamante estimulante?
A vida de um "homem da verdade", como o próprio texto com propriedade afirma, requer esforços às vezes colossais; ora, embora não faça mal, ninguém julga sensato amenizar um membro amputado dando-lhe um suco multivitaminado....
Esta ingenuidade manifesta-se ao se idealizar um asceta sem, porém, tratar daquilo que o
impede de ser, ou seja, de alguma realidade. Ora, quem chegou ao livro já tende , por si, à vida
intelectual; se não tende, não é por este tipo de texto vago, centrado apenas na nobreza da
intenção e na acuidade em definir um ideal, que será espantado: para uma tarefa tão simbólica e
edificante bastaria uma bela personagem literária. Aqui o símbolo seria a o limite frutífero do
devaneio, a reversão da vagueza em uma representação mais poderosa, pois sólida.
Trata-se, enfim, de um manual bem-intencionado, inofensivo, digno de ser conhecido, mas de
forma alguma de um justificado clássico da formação de gente cuja competência cubriria -
esperamos - uma lamentável escassez em nossos tempos.