Sunday, September 17, 2017

NOTA SOBRE O ACLAMADO LIVRO „ A VIDA INTELECTUAL“ de Sertillanges

Antes de tudo, gostaria de sublinhar a minha primeira impressão de que o livro é especialmente vago, considerando tratar-se de um texto cujo autor seria um “ homem da verdade”, como ele próprio aponta; e isto vale sobretudo para o capítulo sobre o tempo de trabalho. Por exemplo, ao dizer que até mesmo 2 horas diárias bastariam para „uma vida intelectual”, fica de lado o mistério que isso significaria para um dado leitor e, mais ainda, a conexão disto com a idéia de que “ um intelectual deve sê-lo o tempo inteiro ”. Enfim, os pontos cruciais do livro, para os quais se espera que ele esteja aí, não são desmiuçados.

Isto conduz-me ao segundo ponto. Houvesse tal “homem da verdade”, acha o autor que este seria ensinado por um discurso cuja essência está em trazer lugares-comuns milenares à promessa de um convite, guia, ou estímulo à vida intelectual? Tais lugares comuns, que frequentemente não deixam de ser ricas máximas, são as considerações sobre silêncio, amizades, mulheres, prazeres, simplicidade. Elas sempre estiveram por toda parte: é próprio dos gênios não precisarem de muita explicação quanto isto; seus problemas são outros. E ainda: não há homem de grandes feitos que tenha agradado ao mesmo tempo à Deus e a um moralista idealista ( “perfeccionista”, mais exatamente ) ; pois não há grande homem que não tenha sido radical quanto a uma coisa fundamental sem deixar isto afetar outra que julgasse mais acidental, ou que ao menos lhe estivesse fora de alcance.

Caspar David Friederich


Neste aspecto o livro parece por um lado ingênuo ao não tratar a integridade e edificação de uma vida intelectual, principalmente uma entendida em "stilo antico", como um grande problema (equiparado mesmo aos problemas de saber, agir, e conhecer em si mesmos, embora condição da solução destes) limitando- se a mencionar seu aspecto - masoquista, eu diria - de esforço/prêmio. O problema omitido consiste em relacionar toda a dificuldade formal da verdade, relacionada à vontade infinita do espírito, à limitação do corpo humano e, principalmente, à constituição disto tudo numa pessoa, cujo contexto é um mundo que se realiza como ação, naturalmente hostil à intelectualidade, e, mais bravo que ela, conservador pétreo de seu ser cego e actual. Não se trata do desconhecimento de uma receita perfeita e de um fim perfeito, mas do liame entre ambos.

Não faz sentido escrever um texto deste para o próximo único santo e gênio do século; a partir disto, pensou bem o autor a que realmente isto se destina, e se o faz mais que num sentido recreativo ou pedagogicamante estimulante? 

A vida de um "homem da verdade", como o próprio texto com propriedade afirma, requer esforços às vezes colossais; ora,  embora não faça mal, ninguém julga sensato amenizar um membro amputado dando-lhe um suco multivitaminado....

Esta ingenuidade manifesta-se ao se idealizar um asceta sem, porém, tratar daquilo que o impede de ser, ou seja, de alguma realidade. Ora, quem chegou ao livro já tende , por si, à vida intelectual; se não tende, não é por este tipo de texto vago, centrado apenas na nobreza da intenção e na acuidade em definir um ideal, que será espantado: para uma tarefa tão simbólica e edificante bastaria uma bela personagem literária. Aqui o símbolo seria a o limite frutífero do devaneio, a reversão da vagueza em uma representação mais poderosa, pois sólida.

Trata-se, enfim, de um manual bem-intencionado, inofensivo, digno de ser conhecido, mas de forma alguma de um justificado clássico da formação de gente cuja competência cubriria - esperamos - uma lamentável escassez em nossos tempos. 

Devemos ser gratos pelo Ser estar sendo e funcionando a todo momento, sem te cobrar nada em troca.Sentir isto é uma forma de afinar e vibra...