Friday, December 1, 2017

Da Felicidade Só ( Ou pureza triste)

A experiência do saber é uma experiência da verdade, isto é, da realidade, e ainda, da felicidade que é basear-se na realidade, ou seja, na fonte de toda força.

Não há, a propósito, força que seja tua.

Mas há ainda uma angústia na solidão desta felicidade: se é verdade que a sabedoria prefere ocultar-se ao indíviduo, pois só raramente ele é suficientemente uno, ou suficientemente plural para a conceber, mais verdadeiro ainda é que ela oculte-se a um grupo de indivíduos; pois como grupo raramente são indivíduos, e como indivíduos raramente um grupo.

Este duplo é que permite-nos pensar a verdade como uma ordem de grandeza independente da felicidade, mas que a ela reserva implicações substanciais. Ante tais implicações, porém, é dificil não uni-las novamente como aspectos da mesma essência, que tornam-se um condição do outro.

Por um lado o sábio infeliz é digno de certa dúvida legítima; por outro a felicidade do sábio seria algo tão privado que facilmente, por ironia, converteria-se em angústia: sua relação com o mundo, do ponto de vista do mundo, resumiria-se ao brilho de seu sorriso, ou a prova de sua utilidade. Mas o sorriso, a irradiação, não são suficientes contra a solidão; e a utilidade depende dos fins, que ao sábio e ao mundo não são sempre comuns. Suspenso permanece o compartilhamento da felicidade enquanto sentido íntimo desta, sua essência como ato e externalização da própria externalidade, mas sobretudo enquanto compartilhamento cooperativo da maravilha da mesma realidade, sem a qual esta não poderia ser várias.

A ponte mais direta para o que inicialmente seria uma antinomia da solidão da sabedoria, ou da angústia da felicidade privada, é por vezes o pleonasmo de determinada ação realmente exterior, uma que imprima-se nas outras almas por sua própria evidência, exatamente por uma força que não é sua força, e sem aguardar ou depender da reflexão  - mas de modo algum contra esta.

O sentido do falar é o ouvir, mas ouvir não significa imediatamente pensar; por isso uma determinada ação pode provocar muito mais a necessidade de certo pensamento que um simples discurso.

Que ação é esta?

(...)

Não é absolutamente insensato que algo bem dito não possa ser uma poderosa ação. Pois afinal, dizer bem é também dizer na hora certa.  Mas de qualquer modo, permanece a ação como critério, pois nela está a força, e nesta o ato contínuo do que é real, e a propósito, atual exclusivamente por meios próprios ( não teus ).

Seja qual for a especificidade do ato, trata-se não de autonomia, mas de conspiração com o ser a cada instante sob a autonomia, a saber, através do aspecto mais real deste, cuja solidez e concretude requerem a mais fina das abstrações, mas ainda a mais fina das sensibilidades.  

O ato deve provocar a sensibilidade doutrem, e esta causará eventualmente um novo pensamento, uma nova percepção, e assim redispor a estrutura da experiência, em uma palavra, a sensibilidade.
 Se alguém disse que filosofia é captar o real na unidade da consciência, sabedoria seria a arte de agir para e a partir desta unidade, sem porém angustiar-se na solidão da própria pureza; mas tampouco sem esquecer que raramente será pela pureza que um ser humano relacionar-se-á ao outro. Perante a arte de não prescrevê-la invirtuosamente ao próximo, fácil é a virtude. O puro, enfim, dá-se ao indivíduo, o impuro ao coletivo: neste sentido, conquistar a guarda de uma fortaleza não exclui enfrentar riscos antecedentes: 

certo contato com os outros leva-nos de volta a um contato mais profundo conosco; este pode levar-nos ao real, separando-nos, contudo de alguém quem amamos tanto quanto a verdade; no entanto, justamente  o contato com os outros após o consigo é o sentido inicial deste: ameaça maior, portanto, seria não a dos riscos impuros, mas a da pureza contra ela própria. 

Tais sentimentos de pureza são em parte nobres mas outros perigosamente viscosos. Eles cedem, no entanto, ao critério da ação que os desmentirá, cada qual em sua falsa nuance:  uma ação conspiradora deve considerar as várias ordens do ser, sobretudo as da alteridade, e nesta principalmente a natural e a humana. 

Entre ambas entrelaçam-se os riscos impuros do compartilhamento, estilhaços de toda criação que preze-se por sua unidade, isto é, dever cosmológico da ação. 

Impossível saltar do puro ao puro.

É preciso passar o anel no fogo, pois assim prova-se o ouro.






Devemos ser gratos pelo Ser estar sendo e funcionando a todo momento, sem te cobrar nada em troca.Sentir isto é uma forma de afinar e vibra...