Monday, January 2, 2012

O Alpianista - Uma paráfrase para a questão do si-mesmo.


Há profissionais que se levam a sério na atividade, outros não.
Se você é alguém que leva a sério a si mesmo e sente-se de vez em quando afetado - por exemplo, enquanto pianista- por pianistas melhores que você e faz com isso diversas chacotas de si proprio, por mais que tente algo contra; se você for, como eu, um destes seres autofágicos, com compromissos infinitos consigo próprio e que correm constante risco de vida devido a uma força tal como aquela que empurra certos alpinistas para o pico, sem que estes usem sequer aparelhos adequados para isto, se você for tudo isto então me acompannhe no seguinte:

(Alegorizo qualquer profissão.)Imagine um super-pianista, chamado Player, que tem todos o incríveis e extraordinários poderes que um artista possa almejar. Ele toca, por exemplo, todo o repertório pianistíco a qualquer momento:repertório solo, camerístico, orquestral;e tanto em condições favoráveis e desfavoráveis sua inspiração permanece intocada, tal como se vivesse acima mesmo do Olimpo. Ele agrada qualquer juiz. Ele é solicitado por todas as gravadoras. É apreciado por todos os críticos e dele até ao público mais leigo qualquer obra soa facilmente compreensível. Além disso é bonito e tem boa aparência no palco. Sua leitura a primeira vista é igualmente impecável,já que o aprendeu antes mesmo de sua alfabetização: sempre depois do café-da-mannhã pega uma partitura de sua biblioteca e lê-a com enorme gozo e emoção. Não precisa de muito tempo para renovar o repertório e como seu estudo abstém de muita repetição, está com a cabeça sempre tranqüila para outras atividades , como ler um livro e paquerar. Claro, ao piano ele chega sempre saudável e disposto, com mãos invulneráveis. Ora, o Player é, de fato, exepcional, e por isso todos os querem em sua sala. Se não gostamos, por exemplo, do modo que ele toca alguma peça, ele muda conforme o público, e se adapta tão bem aos nichos culturais mais diversos que Darwin o elogiaria muito se aqui o assistisse. Enfim, não seria difícil extender a descrição de suas habilidades!

Surge então a pergunta: Meu deus do céu, quem é "profissional" e quem é "amador" ao lado do Player?!

Caso você tenha imaginado este espécime devidamente, acontecerão três eventos catárticos em tua vida:no primeiro momento pensarás consigo e irás verificar em seu coração o seguinte: "droga,sempre será sempre impossível..."

Daí, o segundo evento: você irá parar de tocar um dia, depois de saturar-se na competição e ter perdido nisso todo o senso estético e musical. E noutro dia irá tocar, mas fracamente, menos. Então chegará uma hora em que você quererá de fato parar,nem que seja para um longo descanço,e para.

Esta hora é a crucial. Se você sentir-se tal como um nadador que vai de uma ilha à outra, um nadador que ao se cansar demais no meio do caminho se obriga a descançar ali mesmo ,boiando, e que por isso não é dado parar para sempre, nem por muito tempo, então você entendeu que a tua relação com o tua arte e com teu serviço para os outros, é, sobretudo, contigo mesmo; e que o outro, isto é, o Player, é paradoxalmente a medida: não a de teu sucesso em relação a ele e aos que são dele e para ele, mas a medida de teu sucesso em relação àquela impossibilidade geniosa de parar, isto é, aquele momento em que sentiste uma vontade na qual os próprios limites de teu ser foram esquecidos, e apenas desta forma, suprimidos por um momento.

Agora você descobre algo mais importante que qualquer grau nos caminhos afortunados:isto é, que há dois infinitos bem importantes: o infinito entre os diversos caminhos afortunados e seus graus, e o infinito sem grau da identidade de ti contigo mesmo.




(imagem: Hammershoi, pós-romatismo dinamarquês.)

No comments:

Post a Comment

Devemos ser gratos pelo Ser estar sendo e funcionando a todo momento, sem te cobrar nada em troca.Sentir isto é uma forma de afinar e vibra...